SEGUNDO CAPÍTULO - Parte 2

By Barbosa

A primeira coisa que Flora fez foi imprimir o relatório gerado pelo código. Ela precisava sair rápido da sala, já que não podia exatamente usar o computador para assuntos pessoais – pelo menos não de forma tão clara. Antes que ela pudesse ler, a porta da sala foi aberta e Juan entrou com uma caixa de cerveja na mão.

“Flora! Vamos logo! Já passa das 22:00 e a noite está perfeita”.

Flora dobrou a folha de qualquer jeito e enfiou no bolso do casaco. Pegou o restante das coisas e saiu junto de Juan, que falava animado sobre os problemas que tiveram em um dos telescópios. Ele fazia a ronda no local e adorava quando qualquer coisa acontecia para tirá-lo da monotonia. Flora implicou com ele, afinal qualquer problema nos telescópios acarretava em mais trabalho para ela, afinal Flora precisava revisar anotações e preencher relatórios todos os dias sobre o andamento da construção. Ela era apenas uma assistente – um cargo ínfimo perto das dezenas de engenheiros e pesquisadores do local – mas estava inserida em um dos maiores projetos de observatórios espaciais do mundo.

Quando surgiu a oportunidade, ela largou tudo para ir até lá com o antigo professor da universidade, que participaria do núcleo de estudos astronômicos do projeto. Daniel ainda não tinha sumido, mas já estava bem distante dela com sua obsessão pela morte do pai. Flora se sentia um pouco culpada, afinal foi através dela que ele reviveu tudo aquilo, quando passaram a procurar pistas sobre Lucas. Um ano depois, Daniel sumiu, largando todas as suas pesquisas para trás.

“Vamos sentar aqui”, Juan indicou a pedra. Flora se sentou ao lado dele e pegou uma latinha da cerveja. “Ao nosso final de semana, finalmente!” Ele piscou para ela. Flora lhe deu um beijo e o gole da cerveja desceu muito bem, ao ponto dela repetir um mais longo ainda. Ela estava cansada, mas aquela nova vida de alguma forma lhe sustentava para seguir em frente.

Ela sentiu o bolso esquentar com a lembrança do relatório amassado. “Juan, hoje soou o alarme”.

“Que alarme?”, ele perguntou distraído, dando outro gole na cerveja.

“Do Lucas”, ela suspirou. Juan arregalou os olhos e esperou que ela continuasse. “O relatório está no meu bolso... Não vi o que é.”

Ela abriu o bolso do casaco e puxou o papel, desdobrando devagar, tentando se preparar para o que estava ali. Os dois se debruçaram e passaram a ler com cuidado as informações.

“Acho que foi um erro, Flora.” Disse Juan com cuidado. “Esse sistema confundiu as digitais desse cara. Veja que tem diferenças. Não é o Lucas.”

Flora olhava para as informações. Era a inclusão de um registro brasileiro. Um número de CPF, RG, informações de pai, mãe e local de nascimento. Era uma cidade pequena, no interior de Minas Gerais. Não havia nada ali que pudesse ligar aquelas informações à Lucas, a não ser sua digital. Havia 99,9% de compatibilidade. Ainda assim, seria realmente uma pista? Valeria à pena ir atrás?

“Ei, você quer ir pra casa? Acho que hoje não é um dia tão bom para ficar vendo as estrelas, não acha?”, Juan fez carinho em seus cabelos e esperou a resposta.

Flora olhou para o céu. Havia um motivo para ela estar naquele lugar. Durante tantos anos, ela e Daniel tentaram descobrir o que tinha acontecido com seus entes queridos. Era tudo muito difícil de decifrar, já que eram dois jovens estudantes, sem grandes conhecimentos. Apenas duas pessoas com marcas procurando respostas. Respostas que nunca vieram, mas sempre houve um caminho: o espaço.

“Vamos continuar, Juan”, Flora respondeu, olhando do papel em suas mãos para o universo sob sua cabeça. “Ainda não sei o que fazer com esta informação”, ela apontou com a cabeça para o papel, “mas isso foi a primeira coisa que surgiu desde que consegui acesso ao programa daqui. Significa que o código funciona!”

“Claro que funciona! Você é uma mulher muito inteligente.” Gracejou Juan. “Será que todas as brasileiras são como você?”

Flora deu uma risadinha e bateu no ombro do namorado. “Deixa de besteira. Vamos continuar no embebedando e olhando para o céu. Quem sabe não vemos finalmente um disco voador?”

Os dois riram e se beijaram, e assim passaram mais uma noite tranquila à beira da construção do maior telescópio óptico do mundo.

By Baeta

Um ano antes

Dentro do antigo escritório do pai, Daniel bebia sua quarta dose da noite enquanto olhava o quadro de pistas que montou. Alisava a barba desregulada e matutava o pensamento recorrente de todas as noites de investigação: "o que meu pai faria?".

Não era a primeira nem a centésima vez que pensava esta frase, e de acordo com a rotina de obsessão que entrou, não seria a última. Segundo a programação habitual de Daniel, em 15 minutos este pensamento se repetiria, sendo a 237° vez. Nada de novo habitava a mente embriagada de Daniel e muito menos o quadro de pistas vagas. Mas quis o destino ou um acaso jocoso que a 236° vez fosse a última, pois pelo menos dentro do ambiente havia algo de novo: um espelho esquecido na mesa.

Seu olhar caiu acidentalmente em seu próprio reflexo no espelho durante a repetição 236. Era o reflexo de um homem cansado e perdido. Barba comprida e desgrenhada, olheiras, pele pálida e alcoolizado. Se assustou com a imagem oposta a do rapaz carismático que costumava ser. Não aguentou a realidade de sua aparência e jogou os olhos para frente. Viu que era um resto de Daniel na penumbra de uma sala abafada, cheia de livros espalhados se confundindo com a bagunça de embalagens de comida e xícaras de café esquecidas. Nem as paredes escaparam: a única que não estava preenchida por janela, estante ou quadro de pistas foi tomada por notícias de casos misteriosos coladas em sua superfície.

Daniel se deu conta que se era um trapo do que já havia sido, foi justamente porque fez o que o seu pai NÃO faria: ficar trancado em uma sala estudando teorias e pesquisando mais teorias para estudar. Seu pai ia para onde houvesse um caso. Estudava teorias, mas não era um homem apenas de livros, era um homem de ação. Se envolvia com as histórias das pessoas, encontrava conexões entre as mesmas. Vivenciando a realidade dos fenômenos conseguia distinguir uma pista de uma informação falsa com os olhos fechados. Daniel em fim sabia o que o pai faria, e consequentemente, o que ele achava que deveria fazer também.

Foi até o banheiro para dar um trato no visual, e depois já se sentia um pouco melhor. Passou o resto da noite arrumando o escritório e digitalizando as informações e teorias que ainda não havia decorado. Quando a manhã chegou já tinha uma mala pronta. Deixou uma carta para a família avisando que se foi mas voltaria. Na carta pedia para que não se preocupassem, como se fosse possível.

Daniel decidiu que se nenhuma de suas informações levava a algum lugar, estava na hora de fazer como o pai e entrar em contato com novos casos estranhos e as pessoas marcadas por eles. Estava na hora de perseguir novas pistas e casos correlacionados. Não queria fazer abertamente como seu pai, pois temia as consequências de perseguir o que quer que seja que faça com que pessoas sumam. Por precaução, sumiu com Daniel antes que outro o fizesse. Era hora de assumir outra persona em outro lugar. E para alguém que sempre foi puro charme, não seria difícil encontrar um lugar para ficar e muito menos ganhar a simpatia de quem tivesse alguma história para contar.

Ele precisava de um lugar onde este tipo de história pipocasse sem censuras e fosse fácil de se misturar entre pessoas.

Daniel agora era Arthur e estava indo para São Tomé das Letras.

Continua