PRIMEIRO CAPÍTULO - Parte 1

By Barbosa

Um ano depois.

Ela era uma moça como qualquer outra da pequena cidade em que vivia. Se alguém a olhasse, sentada sozinha no café, poderia imaginar apenas uma jovem garota lendo um livro qualquer. Se alguém se aproximasse, por acaso discretamente por detrás de seus ombros, poderia perceber que aquele não era um livro qualquer. Mas como ninguém se aproximou, a natureza do livro continuava desconhecida.

A angústia fechava a garganta da garota, acelerava seu batimento cardíaco e a deixava num estado de agonia, pois aquele livro foi a única coisa que Lucas deixou pra trás.

By Baeta

Flora tentou se recompor de sua perturbação dando uma pausa na leitura enigmática. Deixou uma das mãos cair sobre o braço da poltrona, ainda com os dedos separando o verso da capa dura do livro de sua primeira página, quase em um ângulo de 180°. Pensou que Lucas diria que ela está arreganhando o livro, e riu em seu íntimo.

Em seguida concentrou sua atenção no expresso que acabara de ser servido com bastante creme em seu topo, embora ela houvesse pedido o café puro.

Mas para quem está mergulhada em um grande problema, um pequeno estorvo não merece mais de dois segundos de atenção. Com a colher raspou em apenas um rápido movimento todo o creme, permitindo que o vapor quente e aromático da bebida fosse liberado de uma vez só, atingindo diretamente a folha que revestia o interior da capa frontal - e agora arreganhada - do livro.

O vapor causou uma transparência momentânea na folha branca e antiga, revelando uma mancha por detrás da mesma. Parecia que a folha revestia mais do que o verso da capa. Flora diante da possibilidade de mais uma pista não pensou, apenas agiu. Com a pequena faca que estava pousada em seu prato de lanche abriu de forma quase cirúrgica as bordas de toda a folha.

Sim!

Havia algo mais escondido entre a capa e seu revestimento.

Era um mapa.

By Paixão

Em um primeiro momento, a natureza daquela descoberta a assustou. Afinal, como um mapa teria parado dentro do livro?

Teria Lucas deixado o mesmo? Se for assim, por que isso? E para quem?

Não imaginava que fosse para ela, já que tanto Flora quanto o irmão não andavam se falando muito antes dele desaparecer - mesquinharias, problemas que agora pareciam minúsculos, mas que quando surgiram resultaram em diversos atritos. Foram brigas e mais brigas, brigas que ela agora se arrependia.

“Devia ter ouvido o Daniel... No final, não valeu mesmo a pena.”

Agora, ela tinha como resultado um irmão desaparecido e um mapa. Ou melhor dizendo, algo que parecia um mapa. No final era a única classificação que ela conseguiu dar para as rotas pontilhadas que se desenhavam no papel, formando o que pareciam ser padrões circulares em torno de uma imagem, algo que, a primeira vista, ela não conseguia discernir muito bem. Era preciso se aproximar um pouco mais.

Contudo, ao trazer o papel para perto do seu rosto, ela acabou se esquecendo do café e do livro, e, o pior, de onde ela se encontrava e, com isso, não percebeu quem vinha caminhando em sua direção.

By Barbosa

Se havia algo que Daniel sabia fazer era se relacionar bem com as pessoas. Desde pequeno ele era requisitado para as mais diferentes situações embaraçosas, onde somente um belo sorriso e um ligeiro corar na face poderiam resultar em uma missão bem sucedida. Seus pais lhe pagavam com pequenas guloseimas quando tinha cinco anos, com bonecos articulados quando tinha dez e com um livro ou dois na adolescência. Quando ele completara vinte anos, antes que o pagamento pelos favores fosse em dinheiro, a primeira desgraça abateu sua família.

Os pais, apesar de explorarem seu carisma inato para qualquer tipo de vantagem, eram pessoas muito queridas pela comunidade, e muito solicitados por todo tipo de pessoa que tinha algum problema. A mãe gostava de ajudar outras mulheres em situações difíceis, e o pai se metia em qualquer mistério sobrenatural. Se uma assombração incomodava o sono de alguém, era ele que iria resolver, mesmo que sua taxa de sucesso fosse menos de dez por cento. O certo era que ele amava o inexplicável e, para Daniel, o pai morreu fazendo o que amava fazer.

Daniel balançou a cabeça com força, tentando afugentar as lembranças desagradáveis, e foi em frente seguir com seu objetivo daquela manhã: conseguir mais um mês sem precisar pagar o aluguel. Ele treinava em sua mente as palavras e expressões necessárias quando olhou de relance para a cafeteria perto da faculdade. Flora estava lá, compenetrada como sempre, sua cabeça aparente pela grande janela de vidro.

By Baeta

"Como você tem isso?!"

Os ombros de Flora encolheram de susto com a pergunta em grito que a pegou despreparada pelas costas. Uma pergunta quase exclamação, que atraiu alguns olhares de canto de olho de outros clientes do café.

Daniel, que prezava tanto pelo seu carisma e imagem, não se importou.

Flora, antes tão compenetrada, ao ver o amigo abriu um sorriso debochado e brincou:

"Bom te ver também! Como vai o senhor?"

O rapaz não correspondeu a brincadeira. Não por grosseria, mas pelo nervosismo que o tomou ao ver o mapa. Com as mãos tremendo pegou a cadeira mais próxima e se sentou ao lado da amiga. Inclinou o rosto pálido de pavor tão próximo que Flora conseguia ver seu reflexo nos olhos arregalados de Daniel. Ele perguntou novamente, agora com a voz baixa de quem compartilha um segredo:

"Como você conseguiu isso? Você sabe o que é isso?"

Flora mostrou a parte que acabara de rasgar do livro:

"Estava escondido no livro que Lucas deixou para trás. VOCÊ sabe o que é isso?"

Daniel vagarosamente fez que não com a cabeça. Mas vendo o pavor do amigo ela insistiu:

"Mas então você ja viu isso?"

Daniel confirmou com outro lento aceno de cabeça. Sem pedir licença tomou em uma golada o café da amiga, endireitou a coluna e contou:

"Esse mapa estava com o material de ocultismo que meu pai estava estudando quando morreu."

Continua